Ideário arminiano. Abordagens sobre a teologia clássica de Jacó Armínio: suas similaridades, vertentes, ambivalências e divergências.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Conhecendo James Armínius.

James Arminius.
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Introdução
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O teólogo holandês James Arminius, ficou conhecido pela sua defesa do livre arbítrio humano e por divergir do calvinismo tradicional quanto a sua doutrina da predestinação. Nasceu em 1560, e foi um dos grandes expoentes da teologia reformada em seu país. A exposição de suas idéias se tornaram a primeira tentativa de “reformar a teologia reformada”. Chegando a gerar uma controvérsia que envolveu o governo dos Países Baixos. Em 1609 veio a falecer, vitimado por uma tuberculose, aos 49 anos. Sem que pudesse vislumbrar o desfecho do conflito.
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Criado na pequena cidade de Oudewader, entre Roterdã e Ultrecht, foi iniciado no protestantismo quando ainda criança. Aos quinze anos transferiu-se para Maburgo, na Alemanha, a fim de estudar. Nesta época ficou órfão, após um massacre promovido pelos espanhóis em sua cidade natal. Onde um só dia toda sua família foi exterminada. O jovem ficou sob os cuidados de um respeitado ministro holandês em Roterdã. Matriculou-se na Universidade de Leyden, e a igreja de Amsterdã decidiu custear seus estudos, inclusive quando transferiu seus estudos para Genebra. Pois seus líderes consideravam-no o mais promissório candidato ao ministério.
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Concluindo os estudos, James Arminius iniciou seu ministério na igreja de Amsterdã. Lá no ano de 1588 o nosso protagonista contava agora com vinte e oito anos de idade. Benquisto e respeitado, seu pastorado foi considerado ilustre. E ao se casar com a filha de um considerável cidadão de Amsterdã entrou para o grupo dos privilegiados e poderosos. Ao contrário do que se pusesse imaginar, sua humildade não sofreu qualquer abalo. Segundo vários autores, mesmo seus maiores críticos não foram capazes de apontar nele qualquer vestígio de ambição ou arrogância.
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A Europa nos dias de Armínius.
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Sob a influência do Renascimento, o século XVI viu florescer o desenvolvimento científico. A Era das Navegações estava em curso proporcionado a queda de vários mitos sobre a constituição do universo. Os velhos padrões do feudalismo foram rompidos. Havia agora a possibilidade de mobilidade social. A classe média, nascida com o desenvolvimento comercial, oriundo da política mercantilista desenvolvida pelos recém criados estados nacionais. O papado já não mais ditava ordens no campo político-econômico, e no campo religioso se via enfraquecido pela reforma protestante. Esta, também bebendo nas fontes renascentistas, trazia a ênfase de seu ensino no indivíduo e no livre exame das Escrituras. O lucro já não era pecado! O que facilitou a adoção da nova fé pela burguesia emergente, que buscava abraçar uma religião nacional. Evitando deste modo o envio de pesados recursos a Roma.
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Espanha e Inglaterra estavam entre as principais potências da época. O católico Fellipe II sobe ao trono espanhol em 1555, após a abdicação de seu pai Carlos V.
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E em 1558 Elisabeth I assume o trono inglês. Fellipe II reinvidicava o trono inglês sob pretexto de sua esposa morta, Mary Tudor, ter sido rainha da Inglaterra. E mantinha a Holanda sob pesado julgo, promovendo vários massacres em represálias as revoltas separatistas holandesas promovidas pelas sete províncias do norte, que fizeram a Holanda o primeiro país a ser conquistado pelo protestantismo após a instauração da Contra-Reforma. Irredutível, Fellipe II continuou executando cidadãos holandeses e provocando o êxodo de outros tantos. Porém em 1576 as províncias francamente calvinistas da Holanda uniram-se as demais expulsando o invasor. O episódio ficou conhecido como “A paz de Ghent”. Quando então em 1588 a Inglaterra, mesmo contando com exército inferior, derrotou a chamada “Invencível Armada” de Fellipe II, favorecendo os holandeses.
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O surgimento das idéias arminianas
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Em Genebra, Armínius teve a oportunidade de estudar com Teodoro Beza, genro e sucessor de Calvino. Entretanto, com a mentalidade independente, o jovem James nunca se declarou ortodoxo em nenhum ramo da teologia. Apesar de críticas e perseguições por parte dos calvinistas ortodoxos, sua fama e prestígio como estudioso das escrituras bem como de teologia, fizeram com que os dirigentes da igreja em Amsterdã solicitasse que examinasse as idéias de DircK Koornhert, visando refutar as mesmas. Este havia atacado algumas doutrinas calvinistas, em especial a predestinação. Cuidadosamente Armínius estudou o material, comparando-o com as Escrituras, com a teologia dos primeiros séculos da igreja, e com a teologia dos principais teólogos protestantes, passando a travar inúmeras crises de consciência. Ao final de uma criteriosa avaliação Arminius concluiu que Koornhert tinha razão. Em 1063 ao se tornar professor de teologia na Universidade de Leyden suas idéias vieram a ser conhecidas publicamente.
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Francisco Gomaro, também professor em Leyden e defensor de uma forma extremista de calvinismo, chamada de Supralapsarismo (“algo inferior à queda”) fez-lhe forte oposição. Esta doutrina foi elaborada por Teodoro Beza, juntamente com outros teólogos da época, segundo ela tudo aconteceria no universo por decreto divino. E até mesmo a queda de Adão e Eva teria sido um fato gerado por decreto divino. Selado o destino da humanidade, uns seriam eleitos para a salvação e outros tantos para a perdição. Não havendo acidentes ou contingências que pudessem alterar o destino dos acontecimentos. Tudo o que vier a acontecer na criação, se comportará imutavelmente de acordo com um decreto de Deus. Alguns afirmam que Beza fora muito mais radical e obcecado pela predestinação do que o próprio Calvino.
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Para Armínius o homem era dotado de vontade livre pelo próprio Deus, podendo resistir a graça salvadora pelo mesmo. Seus opositores consideraram tal pensamento uma forma de pelagianismo, e acusaram-no por ser sinergista, ou seja, crer que duas forças atuam para a salvação. Deus, por meio de sua graça provendo meios para esta salvação (sacrifício de Cristo, Espírito Santo), e o homem, podendo responder positivamente ou não ao convite divino. Como parte do complô, Armínius foi acusado de ser partidário do catolicismo e simpatizante dos jesuítas, uma vez que estes também são considerados sinergistas, por crerem que, além de Deus com sua graça, o homem também pode participar de sua salvação, por meios de sacrifícios pessoais e de boas obras. Acusações demasiadamente graves em tempos de guerra contra a Espanha católica e o papado. Armínius sempre as rejeitou, declarando ser fiel ao protestantismo e a Igreja Reformada da Holanda.
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Também considerou e considerou antibíblica do infralapsarismo , outra doutrina defendida por alguns teólogos de seus dias, segundo a qual o pecado de Adão foi livremente escolhido, mas que depois da queda, o destino eterno de cada pessoa foi determinado por Deus, que é totalmente soberano. Segundo alguns autores este princípio foi defendido anteriormente por Agostinho e Lutero.
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Em 1604 conflitos teológicos somados a interesses políticos e comercias levaram os Países Baixos à guerra civil. As províncias digladiaram-se para defender as posições de Gomaro e Armínius. Gomaro foi apoiado pelo clero calvinista, contrário as relações comerciais com a Espanha, por acreditar que isso comprometeria a pureza doutrinária da igreja holandesa, e os arminianos contavam entre os seus adeptos, com uma verdadeira oligarquia formada pela classe mercantil, desejosa de manter boas relações com a Espanha, visando seus interesses comerciais. O conflito durou até a morte de Armínius em 1609.
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Em 1610, o chamado partido arminiano produziu um documento de protesto conhecido como remostrância (“representação ou protesto”). Ganhando o apelido de “remonstrantes”. Em cinco pontos sintetizaram a divergência arminiana ao calvinismo. Abaixo um resumo de seus comentários:
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1-) Deus predeterminou que o cressem em Jesus Cristo seriam salvos.
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2-) Jesus morreu por todos os seres humanos, mesmo que só os crentes recebam os benefícios de sua morte (2Co.5.15, 5:14, Tt.2.11, 1Jo.2.2).
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3-) O homem necessita da graça de Deus para fazer o bem, nada pode fazer de bom por si próprio.
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4-) A graça de Deus não é irresistível. Embora ele deseje que todos se salvem (1Tm.2.4, 2Pe.3.9, Mt.18.14).
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5-) A graça (provavelmente) pode ser perdida por dos que uma vez creram (2Pe.1.10).
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Com o aquecimento da disputa, o príncipe Maurício de Nassau, passa a apoiar os calvinistas ordenado a prisão de vários líderes arminianos e convocando um assembléia em 1618, o sínodo de Dordrecht, contando com apoio de membros de toda a Europa, o partido calvinista saiu como vencedor nas sessões desta assembléia, e, em resposta a Remostrântia, foi elaborado um outro documento conhecido posteriormente como TULIP, acrônimo formado pela primeira letra de cada um dos seus cinco pontos (Total Depravation [depravação total]; Unconditional Election [eleição incondiciona]; Limited Atonement [expiação limitada]; Irresistible Grace [graça irresistível]; Perseverance of the Saints [perseveraça dos santos]). Cada ponto da TULIP correspondia uma tentativa de refutação de um determinado ponto da Remonstrântia. Os remonstrantes foram excomungados, alguns receberam pena de morte como Van Oldenbarnevelt, que dirigia o país nas negociações de trégua com a Espanha, outros se viram condenados à prisão perpétua, como Hugo Grocio, que escapou escondido num baú, supostamente cheio de livros, quando sua esposa fora exilada. Com a morte de Maurício de Nassau em 1625, cessou a perseguição aos arminianos, que se oficializou somente em 1631.
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Principais aspectos da Teologia Arminiana
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Afirmando seu compromisso com a teologia protestante, Armínius sempre ressaltou a autoridade das escrituras acima de toda e qualquer fonte, norma, tradição religiosa, ou mesmo sobre a razão humana (sola scriptura).
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Armínius manteve lealdade ao princípio básico do protestantismo de que a fé se dá pela graça de Deus, mediante a fé somente (sola gratia et fides), negando por exemplo, a teologia monergista de Agostinho
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Predestinação enquanto doutrina bíblica nunca foi negada pelos arminianos, e sim, o supralapsarismo, uma visão extremada da predestinação, da qual nunca se ouvira falar antes de Beza. Para os supralapsarianos, o decreto divino da predestinação é anterior à criação do universo. Segundo eles somente predestinar uns à perdição e outros a salvação, é que Deus criou o universo, e tudo por decretos, inclusive a queda do homem, bem como o fornecimento dos meios para a salvação dos eleitos (Cristo, o evangelho e o Espírito Santo), e numa sucessão de eventos, a aplicação da justiça. O supralapsarismo afirma ainda que o objetivo principal de Deus neste processo seria glorificar a si mesmo. Eis algumas opiniões de Armínius utilizadas como argumento de refutação do supralapsarismo:
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a-) É contrária a própria natureza do evangelho, uma vez que supõe que as pessoas seriam primeiramente condenadas ou salvas antes mesmos de serem criadas, contrariando a natureza amorosa de Deus, bem como a liberdade da natureza humana.
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b-) É injurioso à glória de Deus, porque a partir dessas premissas pode-se deduzir que Deus é o verdadeiro autor do pecado, logo, o pecado não seria pecado, pois, tudo que Deus faz á bom.
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c-) Faz de Deus um hipócrita, uma vez que Ele exortaria os homens a crerem em Cristo e não apresentaria a todos como seu salvador, ferindo a João 3.16.
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d-) Os supralapsarianos teriam esquecido de incluir um decreto divino com respeito a Jesus cristo e seu envio por parte de Deus, afinal, a essência do evangelho não é senão Cristo.
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Para James Arminius o pecador participa da própria salvação, uma vez que faz uso de seu livre arbítrio para aceitá-la, ao passo que este livre arbítrio é também um dom de Deus recebido na criação. Finalmente Arminius definiu a predestinação como direcionada a grupos ou classes. Estes grupos seriam basicamente dois: os que creram em Jesus e um outro dos que rejeitaram a Ele. Foi nessa linha que James Armínius interpretou Romanos 9. Para ele Deus já sabe de antemão quem terá ou não fé, não interfirindo entretando na decisão final do homem. Para tanto, cita Romanos 8.28. Temos então que a predestinação é condicional.
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Visando esclarecer seu conceito de graça, o pastor de Amsterdã a definiu como, graça previniente. Ou seja, é a graça que Deus oferece e concede a todas as pessoas de alguma forma. A qual é necessária para que os pecadores caídos mortos em seus delitos e pecados, creiam e sejam salvos. Não negou portanto a depravação total da humanidade.
Dentre as principais obras de Armínius encontramos:
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- Exame do Panfleto do Dr. Perkins sobre a predestinação (1602);
- Declaração de sentimentos (1608);
- Carta endereçada a Hipólito A. Collibus (1608);
- Artigos que devem ser Diligentemente Examinados e Ponderados (data desconhecida);
- Carta sobre o livro de Romanos (cap.7 e 9)
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Legado Arminiano
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Hugo Grocio, advogado e teólogo, aluno de Armínius, delineou um conceito chamado de Teoria Governamental da Expiação. Segundo o qual a morte de Cristo é de tal natureza que todos verão que o arrependimento é dispendioso, de modo que se esforçarão para deixar a anarquia no mundo governado por Deus. Conceito melhor explicado por John Miley, no metodismo.(1)
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Os calvinistas contemporâneos de Arminius faziam-lhe acusações de heresias por não conseguirem entender a possibilidade do ser humano não se comportar de modo totalmente passivo na regeneração. Para eles a graça de Deus só seria caracterizada como tal, quando imposta de maneira incondicional e irresistível. O que ao ouvido de Armínius soava claro e natural, aos ouvidos calvinistas era inadmissível e considerado como pura demonstração de jactância.
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Pouco se fala do grande mestre holandês, contudo sua influência ultrapassou fronteiras, e, mesmo politicamente reprimido atingiu países como a Inglaterra, e lá disseminou-se, obtendo destaque mesmo que tardio, na tradição anglicana, que inicialmente adotara a visão puramente calvinista em seus cânones. Deixou também suas marcas no pietismo, e veio de base para a estruturação da teologia do movimento metodista primitivo de John Wesley e Charles Wesley. Também deixou suas marcas em muitos grupos anabatistas.
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Marcia A. de Araújo
Trabalho apresentado para a disciplina TEOLOGIA SISTEMÁTICA
INSTITUTO CRISTÃO DE ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS - ICEC
Contatos:
marcia_esperanca@yahoo.com.br
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(1)In "The Atonement in Chrish" (Expiação de Cristo)
Bibliografia
GONZALEZ, justo L. Uma história ilustrada do cristianismo, A era dos dogmas e das dúvidas, Volume VIII. São Paulo: Edições Vida Nova, 1984.
OLSON, Roger E. História da Teologia Cristã, 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida, 2001.
ERIKSON, Millard J. Introdução a Teologia Sistemática. São Paulo: Edições Vida Nova, 1997.

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Como Jacobus Arminius acredito que: "As Escrituras são a regra de toda a verdade divina, de si, em si, e por si mesmas.[...] Nenhum escrito composto por Homens, seja um, alguns ou muitos indivìduos à exceção das Sagradas Escrituras[...] está isento de um exame a ser instituído pelas Escrituras. É tirania, papismo, controlar a mente dos homens com escritos humanos e impedir que sejam legitimamente examinados, seja qual for o pretexto adotado para a tal conduta tirânica." (Jacobus Arminius) - Contato: lailsoncastanha@yahoo.com.br

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